RESENHA 
      HISTORY  OF LINGUISTICS 2002.  
        Selected papers from the ninth  International Conference in the History of Language Sciences, 27-30 August  2002, São Paulo, Campinas.  
        GUIMARÃES, Eduardo e BARROS,  Diana Luz Pessoa de (eds.) Amsterdam/Philadelphia:  John Benjamins Publishing Company, 2007. 
        
      Esta edição de History  of Linguistics traz uma seleção de textos apresentados na IX Conferência  Internacional de História das Ciências da Linguagem – ICHoLS, realizada na  Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e na Universidade de São Paulo –  USP de 27 a  30 de agosto de 2002.  
        O prefácio dos editores Eduardo Guimarães e Diana L.  Pessoa de Barros apresenta informações sobre a organização dos textos, tendo em  conta a variedade de temas tratados no evento e o grande interesse na história  da lingüística no Brasil. A obra se divide em três partes: Parte I. Dos  gramáticos latinos aos ideólogos; Parte II. Lingüística nos séculos XIX e XX; e  Parte III. Apresentações Plenárias. 
        A primeira parte inicia com um texto de Bernard  Colombat, que estuda alguns problemas na transferência do modelo latino para as  primeiras gramáticas francesas do século XVI, relativamente às categorias  verbais de voz e modo ligadas aos verbos impessoais e às formas condicionais em  –rais.  
        Um problema observado pelo autor foi a dificuldade de  renunciar ao gênero verbal latino, que levou muitos gramáticos a considerar  apenas os gêneros ativo e neutro no francês, impedindo uma análise da frase  perifrástica être + particípio passado. Ao lado disso, a consideração de  que haveria ‘voz verbal’ em francês se deve, segundo Colombat, a um  mal-entendido. A partir desse mal-entendido, pode-se compreender como foi  possível analisar on aime como  passiva pela correspondência com o amatur do latim. Outro problema é que a análise da forma condicional –rais não abrangia as inúmeras  possibilidades de uso no francês, se restringido a muito poucas observações.  
        As reflexões sobre esses problemas mostram como aquilo  que seria próprio do francês ou é moldado segundo o modelo latino ou não é  devidamente observado. Segundo o autor, no século XVI ainda havia muito a fazer  para fornecer uma boa descrição da língua francesa. 
        A transferência do modelo latino (de Prisciano) nas  primeiras gramáticas do francês (dos séculos XVI e XVII) também é o tema do  texto de Jean-Marie Fournier, que focaliza a questão da identificação das  categorias verbais e a emergência do problema dos valores do passado simples e  do passado composto.  
        O autor começa suas análises pela gramática de Pillot  (1550), para a qual a língua francesa contaria com dois pretéritos perfeitos,  diferentemente do latim. Essa gramática traz a primeira menção de fatos  relativos ao que se chamará de regra das 24 horas, a partir da qual se pode  dizer j’ai lu aujourd’hui l’Evangile, je lus hier l’Evangile, mas não se  pode dizer j’ai lu hier l’Evangile, je lus aujourd’hui l’Evangile. Já  Meigret (1550) observa que o sistema de tempos do francês comporta uma forma de  criação francesa, o passado composto. E, em Maupas (1607), há uma reintepretação  do critério referencial que distingue as categorias do passado formulado pela  regra das 24 horas. O critério de referência não é tomado como um ponto  relativo à recuperação das 24 horas, mas sim como um intervalo de referência, e  as duas categorias do pretérito se distinguem pela posição desse intervalo em  relação ao instante da fala. Segundo Fournier, a gramática de Maupas trouxe o  essencial das análises sobre o passado, que serão desenvolvidas e  sistematizadas posteriormente pelos gramáticos gerais. 
        O texto que segue é o de Bethânia Mariani, que estuda  o discurso sobre as línguas no início da história brasileira em crônicas  escritas sobre o Brasil colônia, do século XVI ao XVIII.  
        De início, seu estudo mostra a produção de uma imagem  de precariedade das línguas indígenas nesses textos, através, por exemplo, das  recorrentes formulações sobre a falta de fé, lei e rei dos índios, deduzidas  pela falta das letras F, L e R em sua língua. Ao mesmo tempo, quando se tratava  de comparar a língua geral com as demais línguas indígenas, a língua geral era  “fácil, elegante, suave e copiosa”, contrapondo-se às demais línguas das nações  tapuias, de “fala rouca” e que “não se entende”, não sendo nem fáceis, nem  elegantes, nem suaves.  
        Mariani vai mostrando, desse modo, como os índios,  suas línguas, e as coisas do novo mundo vão sendo significados pelo europeu.  Nesse contexto, o processo de designação pela incorporação de palavras  indígenas na língua portuguesa produz uma tensão entre determinação e  indeterminação em dois mecanismos discursivos alternantes: a explicitação dessa  origem (na língua dos índios Pacôuas)  e o uso de um nome sem nenhuma especificação (chamão lhes anânazes). Segundo a autora, essas alternâncias apontam  para a complexa rede de posições de sujeito que perdura durante todo o período  colonial.  
        Igualmente importante é a referência indireta feita às  línguas européias através da nomeação das nacionalidades, que funcionam como  categorias genéricas de conhecimento prévio. A designação brasiliens ou brasilians vai sendo significada no processo de construção de um paralelismo que coloca  como já dada a relação “uma língua/uma nação” produzida pelo mundo europeu.  Essa designação significa, ao mesmo tempo, o reconhecimento da cultura dos  índios e um apagamento da diversidade lingüística, homogeneizando e  neutralizando as diferenças entre as línguas indígenas. Ao lado disso, essa  designação não referia aos filhos de portugueses, apagando o resultado  inter-étnico de dois séculos de colonização. 
        No texto de Simone Delesalle e Francine Mazière há uma  análise das diferenças entre as edições de 1656 e 1660 da Gramática de Irson, Nouvelle Méthode pour apprendre facilement  les príncipes et la pureté de la langue française.  
        As autoras mostram como a publicação de 1660, embora  não reconhecida como uma segunda edição – tanto pela menção “segunda edição” da  publicação de 1662, quanto pela omissão de fichários e catálogos – é muito  diferente da edição de 1656.   A análise mostra como essa diferença se deve ao  aparecimento da Gramática de Port-Royal (1660). Segundo as autoras, a edição de  1660 se constitui a partir de uma perspectiva port-royalista, mas para estudar  uma língua específica, a língua francesa. Ao mesmo tempo, essa gramática também  se situa no espaço dos estudos do léxico. Vale notar as diferenças entre suas  listas de palavras e as de Vaugelas, em Remarques  sur la Langue Française (1647), em relação à metalinguagem utilizada na  descrição dos usos diastráticos e diatópicos. Enquanto em Vaugelas, navegante é definido como ‘Tous les gens de mer  disent navigueur’, em Irson encontra-se ‘Naviger se dit à la Cour’. As formulações do tipo se diz em, se diz de, ressaltam Delesalle e Mazière, serão a ossatura das  exposições em dicionários monolíngües do fim do século. A obra de Irson pode  ser considerada, conforme escrevem, “como uma ligação não reconhecida no  processo de análise que religa os trabalhos de Port-Royal à elaboração do  Dicionário da Academia”. 
        Fechando a primeira parte, destinada aos estudos que  recobrem as produções dos gramáticos latinos aos ideólogos, está o artigo de  Gerda Haßler. Seu trabalho questiona as posições sobre as  idéias lingüísticas sustentadas sob um ponto de vista continuísta e discute o  lugar dado aos ideólogos como representativo de uma transição do pensamento.  
        A autora analisa séries de textos – como cópias de  cadernos que os professores das Ecoles Centrais ditavam para seus alunos,  conferências dos ideólogos e debates que elas suscitaram na Ecole Normale –  aproximando-as dos textos de referência que os ideólogos produziram.  
        Ela observa, em suas análises, como é freqüente o não  reconhecimento à teoria de Condillac no discurso de ideólogos como Garat e  Sicard, que procuram marcar sua independência deste e de qualquer outro autor  precedente. Segundo Haßler, a busca de distanciamento  desses autores está relacionada à necessidade de romper com o ensino mecânico  que enfocava a memória e imitação, para poder tratar do método analítico. Ao  mesmo tempo, a partir da idéia da vulgarização do conhecimento repousando sobre  um método justo e simples, tentava-se evitar o reducionismo das últimas obras  de Condillac, o que acabou levando a um reducionismo discursivo, restrito à  consideração de alguns conceitos fundamentais.  
        Com a produção dos materiais didáticos ao lado das  conferências, aulas e debates entre os ideólogos e seus alunos, constrói-se a  necessidade de referência a esses autores “esquecidos”, ao mesmo tempo em que  uma terminologia se constitui. Esse processo mostra como determinados textos  passam a significar como representativos de uma série, tornando-se, desse modo,  textos de referência. 
        O primeiro texto da segunda parte, que abrange os  estudos lingüísticos produzidos durante os séculos XIX e XX, é o de Marli  Quadros Leite. O objetivo da autora é encontrar elementos da hiperlíngua  brasileira a partir de marcas empíricas da língua falada no Brasil, extraídas  de gramáticas do século XIX. Para Leite, embora essas gramáticas não tenham  como objetivo descrever a língua efetivamente realizada, suas descrições  registram traços dessa realidade.  
        Tais traços são observados nas descrições que os  gramáticos fazem sobre as especificidades da fala brasileira, como em João  Ribeiro, no exemplo: “É usual no Brasil:  vi ele, encontrei ele – modos de dizer arcaicos como se vê de exemplos da era  ante-clássica, nos documentos dos séculos XIII a XV, fato hoje reconhecido  pelos proprios filólogos portuguezes”. A autora nota que esses traços são  encontrados, sobretudo, nas queixas sobre o “mau uso” lingüístico praticado por  pessoas não educadas, como em Maximino Maciel, no exemplo: “A posição errônea das formas pronominais –  me, te, se, nos, vos, o, a, os, as, lhe, lhes, em desacordo com as normas da  sintaxe observada”. Para Leite, seu estudo sobre a presença da hiperlíngua em  gramáticas “permite, por um lado, que as pessoas tenham uma idéia da realidade  lingüística em um momento e, por outro, aos pesquisadores estudar fatos que  inicialmente parecem desvios e então se tornaram normais, de acordo com a  perspectiva tradicional”.  
        O texto seguinte, de Margarida Petter, toma como  material de análise charges produzidas pela Revista  Ilustrada para analisar as mudanças no modo de representação da língua dos  negros no contexto da abolição da escravatura.  
        A autora chama a atenção para uma reprodução  estereotipada da língua falada por diferentes camadas sociais e por diferentes  grupos étnicos nas charges anteriores à abolição: enquanto a língua dos  escravos se caracteriza pela quebra das regras de concordância, o branco fala  um português mais “europeizado”. Já nas charges publicadas após a abolição,  vê-se uma re-configuração do falar dos negros, produzida pela divisão entre  urbano e rural, assim como pela situação econômica. De um lado, o trabalhador  negro que vive no campo mantém as quebras de concordância e é significado como  estrangeiro, como africano. De outro, o negro com muito dinheiro e que vive nas  cidades “fala como um branco”.  
        Petter observa que junto a essa aquisição/apropriação  rápida da língua padrão pelo negro, restam formas indissociáveis de sua imagem  na língua, como ‘Pai Zuzé’, entre  outras. Ao lado disso, a autora acrescenta que as falas das charges colocam  sempre em foco o problema de adaptação à vida em sociedade, na qual o negro  continua a ser significado pela falta. 
        O texto de Ekaterina Velmezova apresenta um estudo  sobre as especificidades da teoria do lingüista russo Nicolai Marr a partir do  conceito de evolução suspensa,  levando em conta as condições de produção do conhecimento na União Soviética.  Nesse estudo, a autora questiona a posição de historiadores da lingüística que  consideravam a produção de Marr como um fraco e frágil eco da lingüística alemã  do século XIX.  
        Na teoria marrista, a evolução da língua pressupõe  estágios determinados por características sócio-econômicas das sociedades  correspondentes, refletindo o nível de desenvolvimento de seus modos de  produção e resultando numa visão de mundo particular. Na passagem de um estágio  a outro, o estágio anterior tem suspensa sua evolução, mas continua co-existindo  na língua em seu novo estágio. Velmezova destaca outro aspecto que diferencia a  perspectiva marrista dos trabalhos produzidos por Schlegel e Humboldt. Ela  observa que para os lingüistas alemães os limites entre os estágios do desenvolvimento das línguas são sempre exteriores a elas,  sendo relacionados à evolução do espírito humano. Os lingüistas soviéticos, por  sua vez, os viram em seu exterior, no desenvolvimento dos modos de produção,  mas também em seu interior, nos níveis fonético, morfológico, sintático e  semântico, podendo ser localizados pela observação dos elementos dos estágios  precedentes que tiveram sua evolução suspensa na língua. 
        O trabalho de Plínio Barbosa recorda a natureza das  contribuições do barão von Kempelen para os estudos de fonética experimental e  síntese de fala. Partindo de um exame sobre o processo de construção da máquina  falante e das fontes usadas por Kempelen para construí-la, Barbosa contesta a  afirmação de Fagyal (2001) de que teria sido o século XVII que conduziu à invenção  da máquina falante automática. Barbosa defende o nome de Kempelen como o  predecessor desses estudos, no século XVIII.  
        As fontes apontadas no texto, consideradas como o  ponto de partida para Kempelen construir sua máquina, são as publicações sobre  fisiologia humana de Dodart e Haller, ambas do século XVIII. Já a performance  da máquina é atribuída à habilidade de Kempelen como construtor de autômatos e  por uma longa fase de tentativas, que durou vinte anos, até a versão final da  máquina em 1791. A  descrição da máquina e das etapas de sua construção foram apresentadas  minuciosamente por Kempelen em seu livro, da mesma data.  
        A análise que Barbosa faz dessa obra mostra como o  processo de construção da teoria e do modelamento estão inter-relacionados,  sendo indissociáveis, o que justifica, desse modo, o fato de essa máquina ser  considerada única em seu tempo, sem predecessores. 
        O artigo de Paul Laurendeau critica a  perspectiva positivista presente na lingüística e na filosofia da linguagem,  considerando os estudos de Bloomfield e Chomsky como herdeiros do  “escolasticismo cienticista do século XX”. O autor sugere que “a passagem de  Bloomfield à Chomsky não é nada mais do que a passagem do positivismo ao  neo-positivismo no desenvolvimento específico da lingüística”.  
        Em suas análises sobre esses lingüistas  ele observa que a posição anti-mentalista de Bloomfield exclui a semântica de  sua lingüística descritiva por tomá-la como uma mera manifestação do  subjetivismo mentalista, mas a real motivação dessa exclusão é a ânsia positiva  de que a descrição lingüística seja científica. Ao lado disso, observa que a  exclusão da semântica no mentalismo de Chomsky também é motivada pelo modelo de  uma ciência positiva.  
        Laurendeau propõe, considerando a  língua como social e ao mesmo tempo dependente da mente, que as ciências da  linguagem olhem para a especificidade de seu objeto a partir de uma revisão  completa do método de aproximação desse objeto, “mesmo que essa revisão conduza  a uma drástica tábula rasa”. 
        O trabalho de Jacqueline Léon examina as várias  versões dos métodos de construção da máquina de traduzir, produzidas entre as  décadas de 1950 e 1970 pelos membros da Unidade de pesquisa da língua de  Cambridge – CLRV. A autora mostra como o processo de automatização da tradução e  de implementação de uma concepção específica do sentido levou à modificação da  noção de língua universal, baseada nos esquemas das línguas universais do  século XVII, para a idéia de uma língua intermediária.  
        Léon começa lembrando que o primeiro projeto do CLRV,  chamado Nude, buscava resolver  ambigüidades através de uma interlíngua, uma “rede de idéias nuas”, que suprimisse as características distintivas  da estrutura da língua fonte e que mantivesse as redes semânticas invariantes.  Já outra versão proposta posteriormente para o Nude colocou em questão o fato de que essa interlíngua pudesse ser  uma língua universal, mas que deveria ser uma língua genuína, capaz de lidar  com problemas de sentido como metáforas. A hipótese para o novo Nude é a de que haveria um “estoque” de  contextos extralingüísticos, que poderiam ser representados por uma  enciclopédia e compartilhados por pessoas de culturas bastante diferentes. A  autora lembra, por último, que o trabalho do CLVR teve continuidade nos EUA no  fim da década de 1960, com a proposta de uma semântica preferencial, a partir da qual seria possível observar,  em um texto dado, um sentido específico escolhido preferencialmente a outro.  Desse modo, a escolha de um sentido ou outro dependeria sempre do texto.  
        O trabalho de T. Craig Christy toma como objeto de  estudo a questão da ausência na teoria de Saussure. Ele observa que a ausência  tem uma larga presença na teoria saussuriana, de modo geral, não se  restringindo apenas à exposição dos princípios gerais presentes no Cours.  
        A esse respeito, ele recorda o trabalho de Saussure  sobre os sons do indo-europeu, de 1878, que focaliza a ausência material dos  sons, registrada sob a forma de irregularidades fonéticas existentes, afetando  a qualidade e a quantidade das vogais em todas as línguas descendentes do  indo-europeu. Christy acrescenta que esse estudo marca uma diferença  fundamental com as reconstruções comparatistas do indo-europeu, para as quais a  ausência em questão era a de determinados sons que podiam ser encontrados em  outras línguas da mesma família. Ao lado desse trabalho, são lembradas as  análises de Saussure sobre a glossolalia de Hélène Smith, definida pelos  lingüistas em geral como um sanscritóide. O autor nota que essas análises  focalizaram a questão da ausência do som f que, de fato, não existia em sânscrito. Os anagramas de Saussure também são,  para Christy, estudos em que se vê a questão da ausência ser trabalhada: os  sons repetidos regularmente nos anagramas eram um dispositivo para a  reconstituição de uma palavra ou de um nome próprio que não estavam no texto,  mas que eram implicados por ele. 
        O texto de José Luiz Fiorin reflete sobre a  constituição das primeiras orientações da pesquisa em lingüística na USP, a  partir do momento de criação da Faculdade de Letras em 1934, percorrendo a  evolução das cadeiras até o ano da reforma dos cursos de Letras de 1962. Suas  reflexões passam pelo exame das cadeiras de Línguas Estrangeiras, Letras  Clássicas, Tupi Guarani, Filologia e Língua Portuguesa, e Lingüística Românica  e Glottologia Clássica. Nessas duas últimas, conforme nota Fiorin, a pesquisa  lingüística propriamente dita foi mais amplamente desenvolvida.  
        Ele observa que no primeiro programa de Filologia e  Língua Portuguesa a orientação era notadamente histórica e objetivava estudar a  evolução do português a partir de textos, mantendo-se nessa linha com a  nomeação de Silveira Bueno como catedrático em 1940. E que, ao mesmo tempo,  também havia um interesse pela Geografia lingüística, a partir de uma tradição  portuguesa, com os estudos de Leite de Vasconcelos e Carolina M de Vasconcelos.  Já na cadeira de Lingüística Românica e de Glottologia Clássica, Fiorin observa  que a orientação era histórico-comparativa, ocupando-se de estudos do  indo-europeu. E acrescenta, ao lado disso, que seu professor titular, T.  Maurer, foi o responsável pelo início dos estudos da lingüística moderna nessa  cadeira, ressaltando que “essa será a base para a formação de toda uma geração  de lingüistas que estão hoje em atividade em diferentes universidades  brasileiras”. 
        O trabalho de Suzy Lagazzi busca compreender o  processo de legitimação científico-institucional da disciplina Lingüística em  meio ao movimento de gramatização brasileira do português, definindo os livros Princípios de Lingüística Geral e História e Estrutura da Língua Portuguesa,  de Mattoso Câmara, como ponto de partida para sua análise. O objeto de  discussão é a nomeação “língua portuguesa” frente à institucionalização da  lingüística e a pergunta que a autora faz é sobre o recorte que configura na  memória discursiva o percurso da legitimação científico-institucional nos  estudos sobre a língua no Brasil.  
        Sua análise dessas obras mostra que a designação ‘língua portuguesa’ aparece significando de maneiras diferentes nos dois  livros desse famoso lingüista. No primeiro livro, a língua portuguesa aparece  como um sistema (marcando a tendência estruturalista) ao lado de outros,  sistema que funciona como exemplificação. Já no segundo livro, a língua  portuguesa continua sendo considerada como um sistema, porém não mais ao lado  de outros. Lagazzi observa que o importante para o surgimento de um espaço de  legitimação científica da Lingüística e sua institucionalização é que a língua  portuguesa também aparece como lugar de descrição lingüística, produzindo,  desse modo, o lugar do analista. E, ainda, ela “fica significada como a própria  instituição científica que possibilita a Lingüística e os estudos lingüísticos  no Brasil”. 
        Finalizando a parte que trata da lingüística nos  séculos XIX e XX, temos o texto de Rosa Attié Figueira, que faz um percurso  histórico sobre a representatividade dos dados anedóticos para o domínio da  Aquisição da Linguagem. Nesse percurso, a autora destaca os registros em  diários e gravações feitos antes mesmo da constituição da Aquisição da  Linguagem como uma disciplina, passando pelos próprios trabalhos e os de outros  colegas no interior da disciplina.  
        Ao buscar uma definição para o sentido de anedótico, Figueira não evita a  duplicidade de seus dois sentidos básicos listados no dicionário: “engraçado,  pitoresco, curioso” e “único, típico da história pessoal de alguém”,  servindo-se dessa duplicidade para poder abranger as várias dinâmicas dos dados  anedóticos.  
        A questão colocada em seu estudo é: qual é a  participação de dados desse tipo na pesquisa em aquisição do português como  língua materna?  As reflexões da autora  sobre essa questão trouxeram valiosas contribuições para a área de Aquisição da  Linguagem. Um exemplo disso é sua pesquisa sobre as marcas não usuais de  gênero/sexo nas falas das crianças, que destaca o poder heurístico desse  material anedótico e mostra como essas marcas podem ser vistas como um reflexo  da identidade sexual do sujeito e como parte do processo de constituição da  subjetividade.  
        O primeiro texto das sessões plenárias é o de Maria  Helena de Moura Neves, que reflete sobre a experiência grega da linguagem,  percorrendo a poesia de Homero, Hesíodo e Píndaro, a tragédia, e a filosofia de  Platão, Aristóteles, e dos estóicos. Ao lado disso, a autora toma a dicotomia  analogia/anomalia como ponto central para uma investigação histórica que chega  até a lingüística de Saussure.  
        Neves destaca a distância entre as experiências de  linguagem dos gregos e as nossas: enquanto para Homero a poesia representava a  linguagem se fazendo, para nós o dizer é uma atividade que contrasta e mesmo  entra em conflito com o fazer. Seu percurso analítico nos mostra os  deslocamentos de sentido que foram se fazendo na experiência grega,  relacionados às palavras e às coisas, ao dizer e ao fazer, permitindo-lhe  afirmar que é a própria experiência poética da linguagem que torna possível a  filosofia, a qual vem justamente fazer o discurso crítico da poesia.  
        Caminhando pelo campo filosófico, Neves vislumbra a  busca dos estóicos pela conformidade da linguagem com a natureza, que os levou  da analogia para a anomalia. A autora nota como a tensão entre analogia e  anomalia, discutida a partir de pressuposições e direções muito diferentes, é  sempre determinante nos estudos gramaticais e ressurge como ponto focal de  investigação dos estudos lingüísticos, através da oposição entre analogia e  uso. 
        O artigo de Kurt Jankosky se detém sobre a vida de  Joahnn Jacob Reiske e seu papel no estabelecimento da erudição oriental e  clássica na Alemanha. O autor começa por observar que as investigações sobre as  línguas clássicas como o latim, o grego e o hebraico tinham uma longa tradição  no campo dos estudos bíblicos, e isso possibilitou, posteriormente, conduzir a  fundação de um estudo independente e auto-suficiente dessas línguas. Ele lembra  que embora as universidades alemãs não tivessem infra-estrutura adequada para o  estabelecimento das cadeiras de latim e de grego, havia uma tendência para  aceitar o desafio. E que, além disso, houve contribuições de pesquisadores não  vinculados a universidades, como era o caso notável de Reiske, que produziu  inúmeras publicações tanto no campo dos estudos clássicos, como no campo dos  estudos árabes. Jankosky ressalta que ele foi considerado como “um dos  primeiros, senão o primeiro erudito grego do século XVIII” e como o “verdadeiro  fundador da filologia árabe”.  
        Entre os diversos aspectos do percurso intelectual de  Reiske descritos por Jankosky está a necessidade desvincular os estudos árabes  de seu relacionamento com a filologia sacra e, ao mesmo tempo, cessar de  subordiná-los às exigências de investigação do grego, latim e hebraico.  
        O trabalho de Hans Aarsleff estuda o contexto e o  sentido da formulação de Humboldt, apresentada na introdução da obra Ueber die Kawi-Sprache auf der Insel,  que considera a língua como uma atividade (energeia)  e não como um produto (ergon): ‘Sie ist kein Werk (Ergon), sondern eine  Tätigkeit (Energeia)’. Seu estudo se desenvolve a partir de uma minuciosa  história das fontes, levando em conta a relação de convivência intelectual  estabelecida entre Humboldt e Garat e examinando formulações presentes nos  textos do próprio Garat e de outros autores como Condillac, Diderot e Beauzée.  
        Dentre várias questões trazidas pelo autor nessa  história, vale destacar a questão das inversões nas línguas declináveis,  discutida por Garat, a partir de uma filiação à Condillac. Aarsleff observa que  o efeito criado pelas inversões é tratado por Condillac num capítulo de seu Essay, que o chama de “vivacidade”. Esse efeito é concebido  como energia no Lettre sur les sourds-et-muets de Diderot e em outros escritos,  para tratar da concepção estética da língua. Tal  conceito ganhou uma entrada na Encyclopédie  méthodique. Grammaire &  Littérature de 1782, redigida por Beauzée. A entrada cita exemplos  analisados por Condillac para a inversão e apresenta a distinção entre energeia e ergon.  
        O trabalho de Aarsleff, ao mesmo tempo em que aponta  para o papel decisivo que teve o conceito de energeia em diversos aspectos da teoria humboldtiana sobre a língua  e sua relação estreita com a cultura, mostra como isso se deve a reflexões  produzidas por esses outros estudiosos da linguagem. 
        O texto de Eni Orlandi analisa a noção de estrutura e  estruturalismo no Brasil em textos que caracterizaram uma tradição própria na  história dos estudos da linguagem nas condições específicas da história  brasileira.  
        No percurso de compreensão dessa história, a autora  distingue momentos cruciais. Um deles dá-se no Rio de Janeiro, com a formação  da lingüística pelo estruturalismo, conectada a autores como Mattoso Câmara,  que preservam a relação sincronia/diacronia, forma interna/forma externa,  língua/cultura, som/sentido. Um outro momento apontado por Orlandi tem sua  configuração em São Paulo, com um forte investimento na sincronia, forma e  língua, a partir dos estudos de T. Maurer e de sua abertura para a  institucionalização do estruturalismo na lingüística.  
        Dentre as inúmeras compreensões produzidas pelas  análises da autora sobre esses dois momentos, é interessante notar sua  observação de que a herança da produção de Mattoso ecoou mesmo para estudiosos  brasileiros (e a própria autora se inclui entre esses estudiosos) que não o  leram em sua formação lingüística, mas leram Saussure, Hjelmslev e Martinet.  
        Ao lado disso, dentro de uma perspectiva discursiva  que se opõe a uma concepção de “(história da) ciência com seus conteúdos  pressupostos como fatos consumidos”, ela discorda, por exemplo, da afirmação de  Sartre de que o estruturalismo seria a última barreira que a burguesia levantou  contra o comunismo. Ser estruturalista no espaço científico brasileiro nas  décadas de 1960 e 1970 significava, dentre outras coisas, resistir à  irracionalidade da ditadura: “Ideologicamente, na USP na década de 1960, éramos  estruturalistas porque éramos de esquerda”, “no entanto, o que era visível aos  lingüistas era que o estruturalismo começava outra história intelectual  explícita para o estudo da língua (no sentido mais largo e mais geral) e para  as ciências humanas, como os cursos de Letras que começavam a ser implementados  naquele tempo, no Rio de Janeiro e em São Paulo”. 
        Finalizando a parte das sessões plenárias está o texto  de Sylvain Auroux, que traça um balanço dos avanços dos trabalhos sobre a  história dos estudos da linguagem, desde a primeira ICHoLS, em Ottawa, 1978.  
        Uma primeira constatação de Auroux é o aumento  expressivo de produções na área, ao lado da produção de revistas  especializadas, da criação de laboratórios e grupos de pesquisa em várias  partes do mundo. Sobre esse aspecto, o autor comenta: “dizer que há um  crescimento exponencial, é, como sempre, testemunhar uma institucionalização”,  para em seguida perguntar: “o que mudou nesses 25 anos ao nível de conteúdo dos  conhecimentos?”, “O que é um resultado em matéria de pesquisa em história das  teorias lingüísticas, como podemos avaliar nosso trabalho?”. 
        Em seu balanço, Auroux nota como a paisagem desses  estudos mudou de uma visão exclusivamente ocidental para a abertura sobre  outras tradições, tornando acessíveis novas fontes, produzindo outras e  resultando num novo quadro de referência para a história global. Um aspecto  interessante a destacar dessas reflexões é que, segundo o autor, a visibilidade  de fenômenos antes desconhecidos permitiu considerar que “há ciência da linguagem  em longo termo”, enquanto que nas décadas de 60 e 70 não se colocava nem mesmo  a questão de saber o que significava a palavra “lingüística”. 
        O percurso da história traçado pelo conjunto desses  vinte textos apresenta uma diversidade expressiva de temas, questões,  metodologias e posições teóricas, sustentados por nomes de disciplinas que não  são os mesmos. Em nossa história, “a” história se vê predominantemente dividida  entre os nomes lingüística e ciência(s) da linguagem, que convivem  emparelhados desde longa data, sem que por isso signifiquem do mesmo modo.  Através destes e de outros nomes, enunciados nesses trabalhos, vemos com prazer  que o conhecimento sobre a língua e a linguagem conheceu caminhos bastante  produtivos. 
        A diversidade desses caminhos de produção do  conhecimento está relacionada, incontornavelmente, aos diferentes lugares onde  ele se faz. A esse respeito, cabe ressaltar a relevância histórica da  realização da IX ICHoLS no Brasil, em 2002. A realização desse congresso na USP e na  Unicamp, ao mesmo tempo em que   proporcionou a divulgação e a circulação do conhecimento sobre a  história dos estudos da linguagem de diferentes países, permitiu reforçar o  lugar da produção científica brasileira nesse cenário internacional. Aqui não  poderia deixar de mencionar o papel do Programa História das Idéias  Lingüísticas no Brasil (acordo Capes/Cofecub), que vem permitindo ampliar, cada  vez mais, a interlocução entre pesquisadores de diversas instituições do Brasil  e do exterior. A publicação dessa edição de History of Linguistics é, nesse  sentido, um precioso retorno desses esforços conjuntos.  
      Ana Claudia Fernandes Ferreira* 
      * Ana Claudia Fernandes Ferreira é doutoranda  em Lingüística no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. 
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