APRESENTAÇÃO

O número 26 de Línguas e Instrumentos Linguísticos traz textos que se dedicam ou às idéias e políticas lingüísticas ou ainda ao modo como a língua é trabalhada na construção de ideias sociais ou na construção de uma experiência social.
No artigo Intervenção da Escrita: a Questão da Língua do Brasil em "O Escravo Negro na Vida Sexual e de Família do Brasileiro" por Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala, Wilton James Bernardo-Santos analisa, em um capítulo da obra de Gilberto Freyre, os sentidos de "formação do nacional", focalizando uma mudança na ação descrita pela qual diferentes povos são postos em relação na enunciação sobre a língua nacional do Brasil.
Em "Gli uomini come Benvenuto non hanno da essere ubrigati alla legge": arte, direito e política na Vita de Cellini, Romain Descendre faz um estudo filológico-político da autobiografia "Vita", de Benvenuto Cellini, artista florentino do final do século XVI. O autor identifica na língua do Direito empregada por Cellini um modo de se igualar aos Príncipes e na circulação ampla da língua do Direito nos meios de poder da Florença da época, não um idioma técnico e obscuro, mas a língua de uma "experiência" social e política.
Padronização das Línguas Nacionais de São Tomé e Príncipe analisa uma política lingüística de Estado: a proposta ortográfica unificada do Alfabeto Unificado para a Escrita das Línguas Nativas de S. Tomé e Príncipe (alustp). Gabriel Antunes de Araujo e Ana Lívia dos Santos Agostinho se posicionam favoralmente à padronização, mobilizando em seus argumentos tanto a relação entre sons e escrita das línguas envolvidas quanto aspectos culturais relativos aos povos que as falam.
Em A Produção do Saber sobre a Língua: um Estudo do Dicionário Cuiabanês, Joelma Aparecida Bressanin apresenta a análise de um instrumento lingüístico de descrição regional: o Dicionário Cuiabanês, de William Gomes. O prefácio e alguns verbetes conduzem à identificação de regularidades discursivas que indicam, juntas, um gesto político de descolonização lingüística em relação ao Estado brasileiro.
A seção Crônicas e Controvérsias traz o texto Argumentação: em Busca de um Conceito, de Débora Massmann. A autora analisa o Tratado da Argumentação: A Nova Retórica, de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1958), a Teoria da Argumentação na Língua, de Anscombre e Ducrot (1983), e o Modelo Cognitivo da Argumentação de Vignaux (1988), a partir dos quais dá visibilidade à heterogeneidade das perspectivas que têm orientado os estudos argumentativos desde o restabelecimento do interesse acadêmico pela argumentação a partir da década de 1950.
A resenha deste número tem como objeto um livro de Patrick Sériot, publicado na França e ainda inédito no Brasil: Structure et Totalité: les Origines Intellectuelles du Structuralisme en Europe Centrale et Orientale. Carolina S. Lisowski, Caroline M. Schneiders, Juciele P. Dias, Larissa M. Cervo e Taís S. Martins percorrem o fio argumentativo deste texto, no qual Sériot propõe que "o pensamento holístico pode ser interpretado de duas maneiras: de um lado, segundo a concepção saussuriana de que "o ponto de vista faz objeto"; de outro, conforme pensamento oriundo do Círculo de Praga, logo, de Jakobson e Troubetzkoy, tem-se que a própria realidade é sistêmica." Sériot nos leva a questionar o quanto a leitura do Curso de Linguística Geral realizada pelo Círculo de Praga tem relação com um determinado contexto russo eurasista do qual faz parte um modo de conceber as comunidades humanas. Sua hipótese nos leva a considerar novos elementos para compreender a relação entre Ocidente e Oriente tal como ela toma corpo na história da linguística.
Com este conjunto de textos que tratam seja do pensamento que se constrói no Brasil, seja do pensamento que se constrói na Europa acerca da língua e/ou, por meio da língua e da reflexão sobre ela, acerca da sociedade, este número 26 de Línguas e Instrumentos Lingüísticos espera contribuir para o aprofundamento dos estudos em História das Ideias Lingüísticas.

Os Editores

 

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