DO ESTADO INFINITO AO ESTADO FINITO DO VERBO: OS LIMITES ENUNCIATIVOS DA UNIDADE SENTENCIAL

Bruna Karla Pereira
Luiz Francisco Dias
Universidade Federal de Minas Gerais

RESUMO: Este artigo aborda o conceito de forma verbal infinitiva na língua portuguesa, sob uma ótica enunciativa. As contribuições advindas da discussão  da dicotomia entre formas verbais pessoais e impessoais são aplicadas em uma análise do sujeito gramatical, na qual a relação entre o estado infinito e o estado finito do verbo, assim como a noção de flexão, são reexaminadas.

ABSTRACT: This paper approaches the concept of infinitive verbal form in Portuguese, from an enunciative perspective. The contributions that come from the discussion of the dichotomy between personal and impersonal verbal forms are applied in an analysis of the grammatical subject in which the relation between the non-finite and the finite state of the verb as well as the notion of inflexion are reexamined.  

Introdução

O estudo das relações entre sintaxe e semântica raramente levam em consideração aspectos da enunciação. Geralmente, consideram a significação a partir de propriedades relativas à própria organicidade das sentenças, tendo em vista a tese segundo a qual há princípios subjacentes que organizam a estruturação semântica. Temos percorrido outra direção: a sintaxe é um campo cruzado pelas regularidades orgânicas e pelas condições de funcionamento da organicidade no acontecimento enunciativo. Nesse sentido, a unidade sentencial se constitui pela relação entre uma anterioridade de formas que funcionaram regularmente como sustentação de outras unidades e uma demanda de formação de uma unidade advinda do acontecimento enunciativo. Os lugares sintáticos se formam de diferentes modos nessa relação. Acreditamos que a ocupação ou não dos lugares sintáticos obedecem a condições relativas a essa demanda, advinda do acontecimento enunciativo. Neste estudo, vamos analisar aspectos da constituição do lugar do sujeito sintático em sentenças construídas com formas verbais infinitivas.
Para que possamos apontar os fundamentos enunciativos da constituição do lugar de sujeito nesse tipo de sentença, faremos uma análise, dentre outros aspectos, da relação entre o estado infinito e o estado finito do verbo. Para isso, a noção de flexão, que orienta a passagem do primeiro estado para o segundo estará em causa. Antes de explicitar o conceito de flexão adotado, vamos explorar as noções de sujeito, anterioridade e pessoalidade.

O sujeito e os estados finito e infinito do verbo

De acordo com Dias (2002), na constituição da arquitetura sentencial, sujeito é o lugar sintático1 responsável por retirar o verbo de seu estado de dicionário, deixando-o em condições de receber as variações flexionais. Nessa direção, o que explica a existência do lugar do sujeito não é a eventual condição de argumento do verbo, como defende a gramática de valências. Ao contrário, o verbo é que depende da instalação do lugar do sujeito para ser retirado da sua condição de infinitivo. Não sendo projetado pelo verbo, o lugar de sujeito advém de um “ponto de partida” (DIAS, 2007, p. 1) configurado enunciativamente: a anterioridade de predicação (DIAS, 2007, p. 1). A anterioridade de predicação é então uma demanda de saturação da unidade sentencial como um todo, para que se constitua nela uma base de predicação. Na predicação, o verbo passa a ser uma unidade em perspectiva, isto é, ele recebe as coordenadas de enunciação, que passam a ser agregadas morfologicamente, como sufixos. A submissão ao lugar do sujeito é a condição para que ele receba a coordenada proeminente na predicação: a flexão.
Para oferecermos uma exemplificação desta relação entre sujeito, pessoalidade e anterioridade, precisamos definir pessoalidade. Trata-se da possibilidade de se recuperar a participação de personagens na cena descrita pelo enunciado (PEREIRA, 2008). Estas personagens nem sempre terão um caráter humano, animado ou pontual, como se poderia pensar. Em “Choveram canivetes”, o verbo está acionado, o que, na nossa tese, denuncia o lugar de sujeito na sentença, como base da predicação. O SN “canivetes” funciona como uma personagem da cena descrita, mesmo não sendo humano, nem mesmo pontual, pois atua como indicador de referência em cenas variadas. Por exemplo, “canivetes” tanto pode indicar um tipo de granizo, quanto “agressões verbais”, “reclamações intempestivas”, “chateações”, dentre outros.
Sendo assim, nos casos anteriormente descritos, a recuperação da participação de personagens parece, se não pontual, pelo menos condensada em um SN específico, como “canivetes”. No entanto, a recuperação desses personagens aparece, muitas vezes, de modo difuso, dando margem à análise, a nosso ver equivocada, segundo a qual o verbo é impessoal, como em “Comprar no Carrefour é barato”. Neste caso, a pessoalidade se instala sim, pois é possível recuperarmos a participação de um “você”, isto é, de uma segunda pessoa a que o anúncio publicitário está sendo direcionado, como em “(Você) comprar barato é no Carrefour”. Este “você”, no entanto, constitui-se referencialmente de modo disperso e generalizante, quando comparado à seguinte sentença “Maria comprar no Carrefour é barato, mas nós comprarmos no Carrefour é muito caro”.
Sendo assim, em “Comprar no Carrefour é barato”, o verbo está flexionado, em estado finito, portanto, mas não há a explicitação de um morfema número-pessoal. A flexão, como se viu, evidencia o lugar de sujeito na sentença, que tem como ponto de partida uma anterioridade de predicação, isto é, um ponto de partida onde se satura uma referência como base de predicação. Nesta oração, este ponto de partida não é recuperável lexicalmente, mas nas condições de produção em que tal enunciado se insere. Nesse caso, a identificação de personagem, apesar de não ser condensada nos domínios do pronome “você” recuperável, ainda assim se aplica.  
Diante disso, compreenderemos que a flexão se dá com a possibilidade de agregação de um morfema flexional à forma verbal infinitiva2, tendo em vista a instalação do lugar do sujeito. Um dos critérios para se detectar a flexão é a avaliação da possibilidade de concordância em número e em pessoa. Para isso, insere-se um pronome plural (“eles” ou “nós”), adjacente ao verbo, ou se altera a categoria de pessoa presente por um pronome no plural. Vejamos:

(1a) bem... você falou num problema de:... sair daqui e ir até:... a Gávea... eh:... problema de transporte... de chegar até o túnel Rebouças etc... [NURC]3.
(1b) (...) num problema de nós sairmos daqui (...).

Como se constata, “sair” em (1b) apresenta uma marca flexional explícita “-mos”, o que nos leva a crer que “sair”, em (1a), é um verbo flexionado. Sua flexão, no entanto, não está explícita, pois se constitui a partir de um morfema flexional zero indicador de terceira pessoa do singular.
Há casos em que a alteração da categoria de número e, como conseqüência, a alteração na flexão, causa certo estranhamento, tendo em vista que a construção se torna consideravelmente redundante, como se vê em (2b) a seguir:

(2a) vez por outra eu estou metido com excursão... gosto de sair, gosto de passear...4 [NURC].
(2b) nós gostamos de sairmos

Entretanto, nada impede que a concordância se estabeleça nestes casos. Evidência disso é que, quando utilizamos um pronome de reforço5, para dar ênfase à pessoalidade, a possibilidade de concordância deixa de parecer estranha, conforme nos mostra (2c):

(2c) Gostamos de nós mesmas sairmos, sem os filhos.

Em vista disso, um critério alternativo para se avaliar se o verbo está em estado de flexão seria a inserção de um pronome de reforço plural, que levaria à explicitação da flexão a partir de um morfema aditivo.
Com base no critério acima apresentado, no qual se insere um pronome plural ou se altera a categoria vigente por uma categoria no plural, compreende-se que o verbo, tradicionalmente classificado como “forma não flexionada” (CUNHA, 1971, p. 332), em orações como a seguinte, está efetivamente em estado de flexão, embora o morfema não se realize:

É bom ter uma casa, dormir, sonhar (CUNHA, 1971, p. 332).

Nestes casos, quando se insere um pronome plural, a flexão se explicita, como em “É bom (nós) termos uma casa, dormirmos, sonharmos”. O mesmo ocorre com o seguinte exemplo de LIMA (2003, p. 412) “Trabalha, meu filho, para agradar a Deus”, classificado pelo gramático como “infinitivo pessoal não flexionado”. 
Vejamos agora o funcionamento deste critério em orações cujo verbo encontra-se em estado infinito:

(3) Enxergar e ouvir são alguns dos sentidos mais importantes do ser humano.
(4) Caminhar é um exercício físico recomendado pelos médicos.

Em nenhum destes casos, a forma verbal infinitiva admite a inserção de um pronome6, sob pena de produzir um efeito de transgressão, como se observa nos exemplos seguintes:

(3a) ? Nós enxergarmos é um dos sentidos mais importantes do ser humano.
(3b) ? Nós caminharmos é um exercício físico recomendado pelos médicos.

Sendo assim, este parece ser um dos poucos casos em que a forma verbal com terminação infinitiva está realmente no estado infinito. Trata-se de um enunciado definidor, constituído por uma oração com verbo no estado infinito, mais outra oração, com o verbo copulativo “ser”. Nota-se, entretanto, que outros enunciados definidores, constituídos por verbos como “compreender”, “consistir” e “significar” permitem a inserção do pronome, sem que o enunciado produza efeito de transgressão, como se vê a seguir:

(4a) Estudar em grupo compreende uma série de atividades como ler e fazer exercícios.
(4b) Nós estudarmos em grupo compreende uma série de atividades como ler e fazer exercícios, mas eles “estudarem” em grupo compreende uma série de outras atividades como jogar bola na rua e andar de skate.

Por isso, os enunciados definidores em que ocorrem verbos no estado infinito parecem estar restritos àqueles constituídos por verbo copulativo, como em (3). No entanto, apesar desta restrição, nem todos os enunciados definidores que se encaixam neste modelo impedem a flexão da forma verbal infinitiva, por exemplo:

(5a) Prometer é um desejo de cumprir.
(5b) O João prometer é um desejo de cumprir, mas os políticos “prometerem” é um ato de mentir.

Como em (5b) houve possibilidade de explicitação da flexão, podemos concluir que, apesar de os enunciados definidores no formato oração com verbo na forma infinitiva mais oração com verbo copulativo não ser um ambiente que determina decisivamente a ocorrência de verbo no estado infinito, pelo menos, favorece em alguns casos.  
Além de enunciados definidores, há ainda dois casos em que a forma verbal infinitiva pode ser caracterizada como infinita, quais sejam, em dicionário e em menção, como exemplificado, respectivamente, em (6) e em (7):

(6) Entrar (v. Int.): 1. Passar de fora para dentro (...): Tarde da noite, entrou, pé ante pé; Pode entrar: a casa é sua. (FERREIRA, 1999).
(7) “Entrar” caracteriza-se como um verbo de primeira conjugação.

Em nenhum destes casos, a inserção de um pronome é adequada, levando-nos a acreditar que se trata realmente de verbo no estado infinito.
Em suma, vimos afirmando que a forma verbal infinitiva pode ser analisada de modo mais consistente se opusermos as noções estado finito versus estado infinito. O primeiro caso é identificado quando a inserção de um pronome no plural é permitida na oração, desencadeando a explicitação da flexão verbal. Por sua vez, o segundo caso é identificado quando a inserção de um pronome não é permitida, desencadeando efeitos de transgressão, conforme demonstraram os exemplos de enunciados definidores com verbo copulativo, de verbetes em dicionários e de menção. 
Para explicitar melhor a nossa abordagem, vamos submetê-la ao contraste com uma proposta de análise de sentenças cujas formas verbais não explicitam a flexão, baseada em uma perspectiva gerativista. Vitral (1987) descreve três situações possíveis de ocorrências da forma verbal infinitiva no português, em se tratando da co-referência entre o sujeito da primeira oração e o sujeito da segunda oração:

a) Em (1.43) [a. João quer comer o doce; b. Nós podemos comer o doce; c. Eles tentaram comer o doce; d. Eu devo comer o doce] (...) a correferência é obrigatória, e a flexão do infinitivo é neutralizada (i.é, há uma não-flexão);
b) Em (1.45) [a. João viu comer o doce; b. Nós mandamos comer o doce, etc.] e (1.46) [a. João viu comermos o doce; b. Nós mandamos comerem o doce, etc.], a correferência é impossível, e a flexão do infinitivo é obrigatória e
c) Em (1.47) [a. João acredita ter comido o doce; b. Nós lamentamos ter comido o doce, etc.] e (1.48) [a. João acredita termos comido o doce; b. Nós lamentamos terem comido o doce, etc.], a co-referência e a flexão são livres.
(VITRAL, 1987, p. 26, grifos nossos).

Sem entrar no mérito relativo ao conceito de co-referência7, gostaríamos de ressaltar que as três regras tipificadas (não-flexão, obrigatoriedade de flexão e ocorrência livre) são dispensáveis em nossa abordagem, porque, em todos os casos exemplificados acima, o verbo estaria em estado de flexão, inclusive nos exemplos de (1.43). Como se observa a seguir, as três primeiras ocorrências de (1.43) evidenciam a flexão, com morfemas aditivos, quando se insere um pronome no plural; por sua vez, a última ocorrência evidencia a flexão, com morfema zero, não explícito:

A1. As crianças querem elas mesmas comerem o doce;
B1. Nós podemos nós mesmos comermos o doce;
C1. Eles tentaram eles mesmos comerem o doce;
D1. Eu devo eu mesmo comer o doce.

Sendo assim, as ocorrências de (1.43) estão flexionadas. Conforme explicitam os exemplos de A1 a D1, em “a. João quer comer o doce”, o morfema zero indica terceira pessoa do singular; em “b. Nós podemos comer o doce”, este morfema indica primeira pessoa do plural; em “c. Eles tentaram comer o doce”, terceira pessoa do plural; e, em “d. Eu devo comer o doce”, o morfema zero indica primeira pessoa do singular. Com efeito, a concordância não foi estabelecida nos exemplos de a. a c. em (1.43) simplesmente porque ela seria redundante, mas isso não significa que a flexão esteja “neutralizada” ou que não haja flexão. 
Quanto à noção de flexão livre, apresentada no item (c), acreditamos que o mais adequado seria afirmar que a lexicalização do morfema flexional aditivo é possível nestes casos, conforme os exemplos do autor: “João acredita termos comido o doce” e “Nós lamentamos terem comido o doce”. Entretanto, “livre”, a explicitação da flexão não seria, dado que a inserção destes morfemas marcadores de plural produz efeitos de sentido diferentes no enunciado. Em “Nós lamentamos terem comido o doce”, cria-se uma projeção de identidade no lugar de sujeito (de “terem”) que não precisa ser recuperável anaforicamente no texto onde esta sentença foi produzida. Este tipo de sujeito é classificado como “projeção”8 (DIAS, 2002). Diferentemente, em “Nós lamentamos ter comido o doce”, cria-se uma demanda de saturação do referente, levando-se a uma ancoragem do lugar de sujeito (de “ter”) no texto, para que o referente seja recuperado anaforicamente. Este tipo de sujeito, por sua vez, é classificado como “suporte” (DIAS, 2002). Portanto, diríamos que a explicitação da flexão, a partir de morfemas aditivos, é possível, mas não é livre, pois está diretamente vinculada a questões de ordem enunciativa.
Além disso, ao utilizarmos a expressão “explicitação da flexão”, reiteramos que, mesmo em casos como “João acredita ter comido o doce”, a flexão se constitui, a partir de um morfema zero, potencialmente indicador de terceira pessoa do singular: “João acredita ter (ela) comido o doce”.
Estas duas análises potenciais são possíveis, pois a sentença encontra-se fora de qualquer texto que possibilite o recorte de uma das duas informações. Portanto, propomos a seguinte reformulação: não é a flexão que é livre, pois ela ocorre em qualquer um destes ambientes; a explicitação da flexão é que é possível, de acordo com as condições enunciativas estabelecidas. Por fim, a noção de obrigatoriedade de flexão, conforme formulado em (c), esvazia-se, quando se leva em conta o que expusemos acima.
Outro aspecto, objeto de discussão, no âmbito do trabalho de Vitral (1987), são seus comentários em relação à dicotomia “impessoal” versus “pessoal”. Para ele,

quase todas as ocorrências do infinitivo podem ser vistas de fato como pessoais, isto é, referem-se a uma pessoa do discurso da qual se pode tomar conhecimento através das desinências pessoais do verbo (...) Em orações como (1.38) [É preciso ir embora já] o infinitivo pode estar concordando, por exemplo, na 3ª pessoa do singular que também tem desinência. (VITRAL, 1987, p. 22).

E acrescenta:

A suposta impessoalidade de orações como (1.38) é diferente da real impessoalidade presente na oração:
(1.42) Chover no campo é bom
aqui a impessoalidade de chover não está relacionada com o infinitivo, mas aparece em todas as formas desse verbo. Considerarei, então, como única distinção que a estrutura formal da língua nos permite fazer, a existência de infinitivo com flexão e infinitivo sem flexão. (VITRAL, 1987, p. 22).


Quanto a esta citação, devemos dar enfoque às dicotomias “infinitivo com flexão” versus “infinitivo sem flexão” e “pessoalidade” versus “impessoalidade”. Quanto à primeira, como já foi exposto aqui, não se trata de uma oposição válida para se distinguir se a forma verbal infinitiva está no estado finito ou infinito. É devido a isto que exemplos como (1.43), como “João quer comer o doce”, são considerados sem flexão, embora a tenham. Portanto, assim como se reconhece que, em “É preciso ir embora já”, o verbo “ir” está flexionado na 3ª pessoa do singular, com um morfema zero, dever-se-ia considerar o mesmo em relação a “João quer comer o doce”. Nesse caso, não se trata de “infinitivo sem flexão”; ao contrário, o verbo está em estado finito.
Quanto à segunda oposição, segundo o autor, pessoalidade e impessoalidade não são critérios relevantes para se avaliar a flexão. Também diante de informações como esta, acreditamos que o problema está na concepção de pessoalidade normalmente disseminada, qual seja, “quando [o verbo] não se refere a nenhum sujeito” (CUNHA, 1971, p. 332). De modo diferente, diríamos que a impessoalidade ocorreria quando não se permite recuperar a participação de uma personagem na cena descrita pelo enunciado (PEREIRA, 2008). Entretanto, uma sentença, como “É preciso ir embora já”, embora produza um efeito de impessoalidade, assim definido, não impede a recuperação de algum personagem como “É preciso (você) ir embora já”. Evidência disso, é a possibilidade de flexão, como em “É preciso irmos embora já”. Portanto, esta sentença não é impessoal.
Além disso, perguntamo-nos se a “real impessoalidade” de que o autor fala é mesmo condizente com o exemplo dado “Chover no campo é bom”. Em concordância com Dias (2002, p. 55), Pereira (2008, p. 161-164) desenvolve uma argumentação mostrando que o SN “chuva” integra-se virtualmente ao verbo “chover”. Este SN pode ser desmembrado em orações como “Chover(em) chuvas intensas no campo é bom”. Diante disso, questionamos se esta “real impessoalidade” “aparece em todas as formas deste verbo”, pois, conforme exemplificamos, a explicitação da flexão também é possível. Concordamos, sim, que a pessoalidade pode não ser um critério definitivo para a determinação do status flexional do verbo, já que uma sentença pode produzir efeito de impessoalidade, sem ser impessoal. Entretanto, a oposição pessoalidade e impessoalidade não será compreendida nos moldes propostos nesta citação. Da forma como foi tratada, ela deixa de captar os efeitos enunciativos que comporta (serão retomados à frente) para reproduzir não mais que a dicotomia infinitivo com flexão versus infinitivo sem flexão.
Segue o autor, em sua proposta, afirmando que “na TRV [Teoria de Regência e Vinculação], a ocorrência lexical ou não de um SN não se determina em termos de (co) referência, mas sim em termos puramente sintáticos, à luz dos princípios de regência (e Caso).” (VITRAL, 1987, p. 84). Em face disso, o autor analisa as ocorrências de formas verbais infinitivas a partir de dois aspectos principais. Um deles é a subordinação e o outro é definido como CAN (Contextos de Atribuição de Caso Nominativo).
Quanto ao primeiro aspecto, o autor define quatro tipos de ambientes de complementação, dentre os quais, mencionaremos três: complementos regidos por V. SUB, V. IND e V. INF. V. SUB são “verbos que admitem complementos oracionais no modo subjuntivo ou na forma infinitiva” (VITRAL, 1987, p. 93), e.g., “adorar”, “lamentar”, “querer” e outros. Por sua vez, V. IND são “verbos que admitem complementos oracionais no modo indicativo ou na forma infinitiva” (VITRAL, 1987, p. 93), e.g., “afirmar”, “dizer”, “saber” e outros. Por último, V. INF são “verbos que admitem como complemento apenas a forma infinitiva” (VITRAL, 1987, p. 93), e.g., “poder”, “dever”, “continuar a”, entre outros. Ressalta o autor que há “verbos como querer, tentar (...) que nunca permitem a ocorrência de completivas infinitivas com sujeito lexical.” (VITRAL, 1987, p. 88).
O segundo aspecto analisado pelo autor está relacionado ao CAN, definido, dentre outras condições, pelo traço CONCORD e pelo traço tempo [+/-pass]. Isto indica que a atribuição do Caso nominativo está condicionada a um ambiente em que se cheque pelo menos um destes traços. Assim, o autor verificou que, mesmo em ambientes onde há forma verbal infinitiva, o Caso nominativo deveria ser atribuído, pois a posição de sujeito deste infinitivo estava preenchida por um item [+lexical], como em:

(8) Pedro adorou a Ana conseguir aquele emprego na CEMIG (VITRAL, 1987, p. 100).

Além disso, o autor afirma que “CONCORD (...) parece não ser o único responsável por esse sujeito. Ora, nas orações abaixo [(3.66) a. *O gerente disse os bancos emprestarem dinheiro com juros altos; b. O gerente adorou os ministros liberarem a taxa de juros], CONCORD aparece em ambas as completivas, mas apenas (3.66b) é bem construída, com sujeito lexical.” (VITRAL, 1987, p. 101).
Segundo Vitral (1987), (3.66a) assim como (3.70c) [*João disse Maria saber tudo sobre política] são agramaticais devido “ao fato de que o SN Maria não terá Caso (...) já que aí [+tempo] não é qualificado quanto ao traço [+/- pass].” (VITRAL, 1987, p. 107). Esse traço9 é característico apenas dos complementos de V. SUB, como ocorre em (8). Por isso, “Os complementos de infinitivo da classe V. IND (...) não podem (...) aparecer com sujeito lexical” (VITRAL, 1987, p. 99), como ocorreu em:

(9) *O gerente disse os bancos emprestarem dinheiro com altos juros (VITRAL, 1987, p. 101).
(10) *João disse Maria saber tudo sobre política (VITRAL, 1987, p. 104).
(11) *João confessou o deputado favorecer seus parentes naquele negócio (VITRAL, 1987, p. 99).

Outro tipo de verbo que apresenta, como complemento, oração infinitiva sem sujeito lexical é o V. INF. Segundo o autor, “Ao marcar um V. INF subcatecorizando [-tempo], quero propor que os complementos desse verbo não apresentam uma estrutura sujeito-predicado. Assim, há a impossibilidade de um sujeito lexical (3.86a) [*João deve Maria saber a verdade]” (VITRAL, 1987, p. 113).
As condições apresentadas anteriormente sobre os itens lexicais na posição de sujeito de infinitivo atuam também nas categorias vazias. Segundo o autor, “em casos como (3.111b) [Pedro adorou cv conseguir aquele emprego na CEMIG], a cv é pro.” (VITRAL, 1987, p. 127) e “pro ocorre no CAN” (VITRAL, 1987, p.131). Portanto, este pro recebe Caso nominativo do tempo [+/-pass], já que é sujeito de complemento V. SUB. Diferentemente, a categoria vazia, em “João disse cv depositar dinheiro no colchão” (VITRAL, 1987, p.131) é considerada PRO. Segundo Vitral (1987, p. 131), “PRO não pode ocorrer no CAN [Contexto de Atribuição de Caso Nominativo]”. Neste exemplo, o verbo não tem especificação de tempo [+/-pass], pois faz parte de uma completiva de V. IND, e não tem CONCORD, pois uma subordinada infinitiva de V. IND não admite posição de sujeito preenchida. Logo, o verbo “depositar” não está flexionado, e a categoria vazia PRO não recebe Caso nominativo, como esperado, já que no inglês e em outras línguas, esta categoria se comporta desta maneira.
Após apresentarmos este breve resumo da análise proposta por Vitral (1987), gostaríamos de rever alguns de seus exemplos. Propusemos acima que a possibilidade de inserir um pronome de reforço pode sinalizar a presença de flexão com morfema zero na forma verbal infinitiva. Sendo assim, acreditamos que sentenças como:

(12)? João confessou o deputado favorecer seus parentes naquele negócio.
(13)? João deve Maria saber a verdade.
(14) Pedro adorou pro conseguir aquele emprego na CEMIG.
(15) João disse PRO depositar dinheiro no colchão.
podem ser reescritas da seguinte maneira:
(12a) João confessou (ele mesmo) favorecer seus parentes naquele negócio.
(13a) João deve (ele mesmo) saber a verdade.
(14a) Pedro adorou (ele mesmo) conseguir aquele emprego na CEMIG.
(15a) João disse (ele mesmo) depositar dinheiro no colchão.

Como vimos, (12) e (13) foram consideradas mal-formadas, respectivamente, porque V. IND e V. INF não admitem complemento infinitivo com sujeito lexical, pois, nestes ambientes, não há atribuição de Caso. Entretanto, acreditamos que as sentenças (12a) e (13a), com “sujeito lexical” são bem formadas. Isto nos leva a crer que, nestes casos, os verbos das completivas estão flexionados, de modo implícito, a partir de um morfema zero. Evidência disso é que, se alterarmos “João” por um SN no plural, a flexão pode se explicitar, como em:

(14b) Os políticos confessaram eles mesmos favorecerem seus parentes naquele negócio.
(15b) As crianças devem elas mesmas saberem a verdade.

Assim, (12) e (13), como estão exemplificadas, causam estranhamento, não porque o lugar de sujeito está ocupado, mas porque está ocupado por itens inadequados. Em outras palavras, queremos dizer que, nestes casos, a ocupação é viável e a flexão é legível.

O mesmo raciocínio vale para (14) e (15). Evidência de que há um morfema zero se apresenta também quando alteramos o SN singular por um SN plural, conforme os seguintes exemplos:

(14c) Os aprovados adoraram eles mesmos conseguirem aquele emprego na CEMIG.
(15c) Os desconfiados disseram eles mesmos depositarem dinheiro no colchão.

Em vista disso, noções como condições de atribuição de Caso e tipos verbais de complementação são dispensáveis para o desenvolvimento da proposta que esboçaremos aqui. No entanto, vale ressaltar a importância das reflexões do trabalho do autor, primeiro, porque elas problematizam, de modo criterioso, aspectos que são foco deste trabalho, como as dicotomias “infinitivo sem flexão” versus “infinitivo com flexão” e “pessoalidade” versus “impessoalidade”. Segundo, porque se trata de uma abordagem formalista do fenômeno, servindo-nos como ponto de contraste na discussão10.
Retomaremos agora a discussão sobre pessoalidade e flexão introduzida anteriormente, porque, para compreendermos esta relação, seria melhor explorar um pouco mais a idéia de flexão, conforme fizemos. O que tem sido motivo de confusão na caracterização da forma verbal infinitiva flexionada como sendo “impessoal” é a leitura generalizante que muitas vezes esta forma oferece. Vejamos o seguinte exemplo:

(16) L2 é... desprezo totalmente o dinheiro... pra mim... pra mim o dinheiro: serve pra isso... pra comprar um Tarod... pra comprar um móvel... pra ter um automóvel... viajar... não me prendo ao problema de... de juntar dinheiro... pra... pra ganhar o juro da ação da Petrobrás que vai subir... ou então pra:... fazer o enxoval da filha... [NURC].

Primeiro, ressaltamos que as formas verbais infinitivas destacadas estão no estado finito, tendo em vista que, se inserirmos um pronome plural, a flexão vai se explicitar, como em:

(16a) pra (nós) comprarmos um Tarod... pra (nós) comprarmos um móvel... pra (nós) termos um automóvel... (nós) viajarmos...

Segundo, chamamos atenção para o fato de que a forma verbal infinitiva se abre, neste caso, a duas leituras possíveis, uma leitura pessoal generalizante e outra pessoal especificadora, conforme discussão preliminar apresentada em Pereira (2008, p. 120). A leitura pessoal especificadora caracteriza-se por dar enfoque à participação de personagens como em (16a) ou como em (16b):

(16b) pra (eu) comprar um Tarod... pra (eu) comprar um móvel... pra (eu) ter um automóvel... (eu) viajar...

Por sua vez, a leitura generalizante caracteriza-se por uma enumeração das utilidades do dinheiro a partir de dois pontos de vista gerais: uma perspectiva daquele que gasta em oposição à perspectiva daquele que economiza, sem evidenciar a participação de personagens. 
É nesta leitura que a confusão entre impessoalidade e ausência de flexão se instala, pois se tem a idéia de que, por não se atribuir enfoque a algum participante na cena descrita, não haja participante e, portanto, não haja flexão, conforme explica BECHARA (1999, p. 286):

O infinitivo sem flexão revela que a nossa atenção se volta com especial atenção para a ação verbal; o flexionamento serve de insistir na pessoa do sujeito: Estudamos para vencer na vida; Estudamos para vencermos na vida.

Com este raciocínio, em “estudamos para vencer na vida”, “vencer” estaria sem flexão. Na nossa perspectiva, no entanto, ele está flexionado, porém, a partir de um morfema zero. Concordamos que uma leitura possível seria a generalizante, mas esta leitura não deixa de ser pessoal, porque se recupera a participação de personagens na cena descrita. Em outras palavras, recupera-se discursivamente um “alguém”. Este “alguém”, no entanto, pode ser lido como disperso e sem especificação, causando um efeito de “impessoalidade”, isto é, de que não há um “alguém”. No entanto, mesmo esta leitura generalizante seria pessoal. Outra leitura possível também pessoal, porém especificadora, seria a seguinte “Estudamos para vencermos na vida”. Neste caso, especifica-se este “alguém”, as personagens que participam do evento, a partir da flexão de primeira pessoa do plural. No entanto, apesar deste recorte, salientamos que este “nós” pode ter também uma leitura generalizante, como aquela em que não há flexão. Nesta leitura, o “nós” pode estar abarcando um domínio de referência bem mais amplo do que aquele determinado no espaço de interlocução, entre falante e ouvinte.
Assim, vimos que a forma verbal infinitiva no estado finito pode favorecer duas leituras, quais sejam, uma especificadora e outra generalizante. Esta última não pode ser confundida com impessoalidade, porque, mesmo sendo generalizante, recupera-se a participação de personagens.
Diferentemente, casos que caracterizamos como verbo no estado infinito só permitem uma leitura, a impessoal. Não é pertinente, portanto, a interpretação de uma pessoalidade nem generalizante, nem especificadora. Nestes casos, a cena descrita é construída sem possibilidade de se recuperar a participação de personagens, como em “‘Beber’ é um verbo de segunda conjugação”.
Vejamos os seguintes exemplos para fazermos uma recapitulação do que propomos:

Fatos

Verbo

Estado

Leitura

(17a) Comprar no All Mart é barato.

Flexionado

Finito

Pessoal
Generalizante

(17b) Você comprar no All Mart é barato, pois suas compras são grandes, mas eu comprar no All Mart é caro, pois minhas compras são menores, e a diferença recairia no combustível gasto para deslocamento.

Flexionado

Finito

Pessoal
Especificadora

(17c) Comprar é uma atividade que todos fazem ou farão um dia.

Sem flexão

Infinito

Impessoal

A partir desse quadro, gostaríamos de ressaltar que não existe leitura impessoal com verbo flexionado, pois a flexão indica que a oração em análise se constitui com o lugar de sujeito. Se há lugar de sujeito, há uma demanda de referência, seja ela generalizante ou especificadora. Logo, em orações com verbo flexionado, é possível recuperar a participação de personagens na cena, mesmo que esta participação seja dispersa. Em (17a), por exemplo, tem-se um sujeito do tipo suporte (DIAS, 2002, p. 56-8) que se ancora em um “você” interpretável neste enunciado. Este “você”, no entanto, não está pontuado no domínio imediato da relação locutor e interlocutor, mas em uma encenação na qual todo aquele que comprar no All Mart comprará a preços baixos. Trata-se do que Guimarães (1989) designa de formas de dispersão11 do sujeito na enunciação. Com efeito, a enunciação do pronome “você”, em (17a), não pode ser pontualmente caracterizada como a enunciação dos pronomes “você” e “nós”, em (17b). Por fim, em (17c), uma leitura pessoal não é pertinente, porque esta cena definidora não autoriza a participação de personagens; ela é, portanto, impessoal.

Considerações finais

Em vista do exposto, a forma verbal infinitiva pode ser de dois tipos, com flexão e sem flexão, caracterizando, respectivamente, o verbo no estado finito e infinito. Esta oposição difere da oposição “infinitivo flexionado” e “infinitivo sem flexão”, pois muitas ocorrências consideradas “infinitivo sem flexão” são, como se viu, flexionadas. A oposição “verbo no estado finito” e “verbo no estado infinito” difere da oposição “infinitivo flexionado” e “infinitivo sem flexão” ainda, pois realmente distingue os dois estados, não dando margem à incoerência da terminologia “infinitivo sem flexão”. Sendo assim, se o verbo está flexionado, ele não está em estado infinito.
Quanto à noção de impessoalidade, vimos que, apesar de verbos no estado finito favorecerem uma leitura generalizante, esta leitura não deixa de ser pessoal, pois é possível recuperar a participação de personagens na cena descrita. Sendo assim, a leitura impessoal só se encaixará em verbos no estado infinito, isto é, casos em que a recuperação de personagens não é pertinente. Vejamos o seguinte esquema ilustrativo:

Forma verbal infinitiva

Acreditamos que esta releitura do conceito de flexão faz com que analisemos a forma verbal infinitiva do português de modo mais coerente, sem tomar de empréstimo regras que, apesar de se encaixarem muito bem em línguas como o inglês, não parecem se aplicar tão bem ao português. Diferentemente, damos enfoque à abertura que a forma verbal infinitiva permite, no sentido da manifestação do equívoco constitutivo (PÊCHEUX, 1982) na própria estrutura lingüística. Como vimos, duas leituras, uma generalizante e outra pontual, podem se instalar simultaneamente em um mesmo enunciado. Isto se dá porque a organicidade lingüística é afetada pelos deslizamentos históricos do acontecimento, não se resumindo a um conjunto de regras ilusoriamente fixas e universais. Sendo assim, a proposta elaborada discorda de análises formais que classificam como “sem flexão” verbos que estão sim flexionados, por um morfema zero. Além disso, critica análises tradicionais que classificam como “impessoais” ocorrências que, apesar de operarem sob este efeito, não o são. Por fim, ressaltamos o caráter ainda preliminar da proposta, mas, com ela, esperamos ter, pelo menos, aberto uma porta para uma análise mais flexível, mais abrangente e igualmente criteriosa da forma verbal infinitiva no português, considerando-se os aspectos orgânicos e enunciativos que lhe são constitutivos.

Notas


1 O conceito de lugar sintático, na perspectiva aqui adotada, corresponde ao conceito de site, em Milner (1989).

2 Quando utilizarmos o termo “forma verbal infinitiva”, estaremos nos referindo, de um modo geral, às ocorrências em que o verbo apresenta as terminações “-ar”, -“er” e “ir”, seguidas ou não de um morfema flexional aditivo indicador de pessoa e número.

3 Este exemplo foi retirado da base de dados NURC, disponível em <http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/> e faz parte da dissertação de Pereira (2008). Neste trabalho, Pereira (2008, p. 115) considera a possibilidade de este exemplo ser analisado como “infinitivo sem flexão”. Entretanto, esta análise não é mais coerente com o conceito de flexão aqui proposto. A partir deste conceito, (a) não utilizamos mais o termo “infinitivo sem flexão” e (b) consideramos que o verbo “sair”, em (1a), está em estado finito. Apesar disso, ressaltamos a importância de suas reflexões por revelar o impasse nesta classificação, quando a autora afirma, em relação a (1a) e a vários outros exemplos, que “a interpretação de infinitivo com flexão também é possível” (PEREIRA, 2008, p. 116-7). Além disso, ela sinaliza que “o nome ‘infinitivo com flexão’ não é adequado, porque, se o verbo está flexionado, ele está em seu estado ‘finito’” (PEREIRA, 2008, p. 111). Ressaltamos ainda que o presente artigo teve, como ponto de partida, o que foi discutido preliminarmente sobre forma verbal infinitiva nesta dissertação.

4 Os exemplos retirados da base de dados do NURC estão detalhadamente especificados e organizados no CD-ROM anexo de Pereira (2008).

5 Agradecemos à Profª. Maria Elizabeth Fonseca Saraiva, por ter problematizado, em defesa da dissertação anteriormente mencionada, dados como (2), sugerindo que a inserção de um pronome de reforço pudesse evidenciar a flexão.    

6 Ocorrências com “você”, como “Você caminhar é um exercício físico recomendado pelos médicos”, parece adquirir crescente aceitação na língua portuguesa do Brasil, em razão de certo esvaziamento da perspectiva de pessoa do qual o pronome “você” vem sofrendo, em usos marcados pela neutralidade na orientação interlocutiva.

7 Independentemente de o autor considerar que “o critério de se examinar as possíveis referências do sujeito do infinitivo é insuficiente” (VITRAL, 1987, p. 28), as avaliações quanto à flexão ou não em sentenças como as exemplificadas permanecem as mesmas.

8 A tipologia proposta por Dias (2002) e sua relação com a forma verbal infinitiva pode ser explorada, com mais detalhes, conforme apresentado na comunicação intitulada “Parâmetros para a análise do infinitivo: no limiar entre a forma e o sentido”, apresentada por Bruna Karla Pereira e elaborada sob orientação do Prof. Dr. Luiz Francisco Dias. Esta apresentação teve lugar na UNINCOR (Universidade Vale do Rio Verde), em Três Corações (MG), em abril de 2008,  por ocasião do IV Simpósio Nacional e I Simpósio Internacional de Letras - Fronteiras do Contemporâneo. No entanto, limitar-nos-emos, neste artigo, a classificar somente os exemplos aqui discutidos. 

9 Tempo [+/-pass] significa, segundo o autor, um tempo “não-especificado”: “os verbos da classe V. SUB selecionam uma completiva com tempo não-especificado – e isso se faz representar pela variável α. Isto é, o tempo do complemento será determinado pelo tempo da oração principal” (VITRAL, 1987, p. 97).

10 Sendo assim, agradecemos ao Prof. Lorenzo Vitral pela disponibilidade para indicar, dentre outras, esta referência, em ocasião da disciplina “Sintaxe”, cursada em 2008/1º e oferecida pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos da Faculdade de Letras da UFMG. Apesar disso, responsabilizamo-nos inteiramente pela discussão proposta em torno deste trabalho.

11 Pereira (2008, p. 114) ressaltou que “Temos utilizado a expressão ‘forma de dispersão do sujeito’ em vez de ‘forma de indeterminação do sujeito’, que foi a expressão utilizada por Guimarães (1989). Desse modo, manteremos a ligação com o trabalho do autor, que fala sobre a ‘dispersão’ do sujeito na enunciação, evitando a possível confusão entre ‘formas de indeterminação’ e ‘sujeito indeterminado’”.

 

Referências bibliográficas

BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa: revista e ampliada. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
CUNHA, C. Gramática do português contemporâneo. 2. ed. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1971.
DIAS, L. F. Fundamentos do sujeito gramatical: uma perspectiva da enunciação. In: ZANDWAIS, A. (Org). Ensaios: relações entre pragmática e enunciação.  Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2002. p. 47-63. 
________. Sintaxe e enunciação: o lugar do sujeito. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2007. Inédito.
FERREIRA, A. B. de H. Dicionário Aurélio eletrônico - Século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. CD-ROM. (Lexikon Informática Ltda).
GUIMARÃES, E. As formas de indeterminação do sujeito. In: ORLANDI, E. P.; GUIMARÃES, E.; TARALLO, F. Vozese contrastes: discurso na cidade e no campo. São Paulo: Cortez, 1989. p. 45-77.
MILNER, J-C. Introduction à une science du langage. Paris: Éditions du Seuil, 1989, p. 357-408.
PÊCHEUX, M. Sur la (dé-)construction des théories linguistiques. In: DRLAV, Paris, n. 27, p. 1-24, 1982.
PEREIRA, B. K. A convergência de sujeito e objeto direto: por uma sintaxe de bases enunciativas. Dissertação de Mestrado defendida na UFMG. Belo Horizonte, 2008. 176 p.
VITRAL, L. T. Sobre a complementação infinitiva no português. 1987. Dissertação de Mestrado defendida na UFMG. Belo Horizonte, 1987. 149 p.

Palavras-chave: infinitivo verbal, sujeito gramatical, flexão
Key-words: verbal infinitive, grammatical subjet, inflection

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